Este é o meu último contributo escrito para este blog. Está
na hora de fazer o balanço final desta experiência e dizer adeus a Pequim.
A decisão de criar um blog há 3 anos surgiu de uma alegria
enorme em saber que ia viver para a China. Entre a expectativa, o receio, a
busca de algo diferente, o apelo à aventura e o “escapar” a uma situação
profissional precária, a veia da escrita (herdada do meu pai) acabou por surgir
e assim pude dar a conhecer a China (e as nossas aventuras) à família e aos
amigos. Com o passar do tempo esta aventura (da escrita) ganhou espectadores e
leitores fora do círculo familiar e foi com todo o prazer que pude contribuir
com o meu conhecimento da China (e sobretudo de Pequim) e assim ajudar outros a
conhecer melhor esta cidade fantástica.
Faltam 6 dias para deixar Pequim. Esta cidade que no início
me assustou pela sua grandiosidade, que me fez sentir perdida, deslocada,
incompreendida, enervada e admirada, acabou por conquistar o meu coração.
Conheço-lhe os cheiros, os hábitos, a rotina, conheço-lhe o sabor dos seus
petiscos, conheço-lhe o ritmo. Quatro estações do ano bem vincadas que organizam a vida de
quem aqui vive: roupas quentinhas para o inverno, gorros, luvas e chá de
gengibre; uma cidade florida e perfumada, roupas leves e passeios no parque
durante a primavera; refúgio nos shoppings, idas à piscina, gelados e sumos
naturais no verão; explosões de laranjas, vermelhos e amarelos durante o
outono. Aqui ainda é assim, as estações do ano ainda são como eu as conheci
enquanto crescia no Porto e pude desfrutar de todas em pleno.
Alguém me pedia há dias um balanço final desta aventura. Acho
que esta é a altura certa para o fazer.
Há 3 anos que não sou professora. Deixei de pensar em
preparar aulas, fazer relatórios, ler livros especializados, participar em
reuniões, corrigir testes, submeter candidaturas aos concursos nacionais, deixei
de me preocupar, deixei de pensar nisso tudo. Observo, sobretudo no Facebook,
as publicações de antigos colegas de trabalho, percebo-lhes o descontentamento
com a profissão, o desgaste físico, emocional e familiar…lembro-me bem da luta
diária que travei durante 15 anos. Recordo com uma certa nostalgia e sinto
saudades do convívio com os colegas, as conquistas dos alunos, o carinho com
que quase sempre fui tratada. Não sinto saudades da mesquinhez de alguns
colegas, da desvalorização pessoal e profissional, da incerteza de uma
colocação, das injustiças nem tão pouco tenho saudades da arrogância e falta de
respeito de muitos jovens e até de alguns pais. Não tenho pressa de voltar a
esta profissão mas sinto saudades da adrenalina do trabalho, do desafio. Só o
tempo dirá se um dia voltarei a lecionar ou se o meu futuro passa por outros
caminhos. Apenas sei que a decisão tomada há 3 anos foi a mais acertada. Se
tivesse optado por ficar em Portugal os meus filhos não tinham vivido as
experiências fantásticas que viveram aqui, a nossa família não estaria tão
unida como está agora, não teríamos sido tão felizes. Apesar de alguns momentos
menos bons (sempre os há em todas as aventuras), desentendimentos, desilusões
com algumas pessoas, saudades, pequenas maleitas…o balanço final é extremamente
positivo.
Nem tudo foi feito, nem todos os objetivos foram cumpridos
mas acabámos por fazer muito mais do que inicialmente achava possível. Gostaria
de ter visitado mais lugares bonitos na China, gostaria de ter ido conhecer a
vizinha Mongólia, gostaria de ter comido mais vezes fora, gostaria de ter
visitado mais museus, ido mais vezes ao parque, gostaria de ter ido a mais
espetáculos, de ter feito mais jantaradas e saídas à noite, gostaria de ter
subido ao edifício mais alto de Pequim (mas ainda não está pronto nem aberto ao
público) e gostaria de ter feito, pelo menos, o nível 4 de Chinês.
Em vez de ficar insatisfeita prefiro sentir-me grata por tudo
o que aqui fiz e vivi. Os meus filhos viveram 3 anos maravilhosos, fizeram bons
amigos, aprenderam muito, tiveram professores a quem estarei eternamente grata
pela dedicação, paciência e carinho com que sempre os trataram.
Quem pode dar-se ao luxo de em 3 anos ter visitado a China, o
Japão, a Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Macau, Filipinas, Malásia, Vietname,
Tailândia, Hawaii, Bósnia-Herzegovina, Croácia, Alemanha e Portugal?
De Pequim levo as recordações mais belas: levo amigos para a
vida, que me fizeram sentir bem-vinda, que me ajudaram, me acarinharam,
estiveram sempre presentes e me fizeram sentir especial. Sem eles esta cidade
não tinha tanto encanto.
De Pequim levo o gosto de beber água morna até nos dias mais
quentes de verão! E pensar que a primeira vez que me serviram água quente num
restaurante em pleno mês de julho eu julguei que era um engano. Como estava
enganada e desconhecia esta cultura!
De Pequim levo o gosto pela buzina do carro e, sim, já sei
que vou ter que largar este vício rapidamente.
De Pequim levo uma maior tolerância ao picante graças às idas
aos restaurantes chineses, tailandeses e indianos.
De Pequim levo um conhecimento mais aprofundado desta cidade,
deste grandioso país, da sua cultura e tradições, das suas gentes. De Pequim,
infelizmente, não levo amigos chineses. Este tem sido um assunto longamente
debatido pelos estrangeiros que aqui vivem. Ao contrário do que muitos dizem,
não considero que seja impossível fazer amigos quando no teu local de trabalho
90% dos teus colegas são chineses…mas apenas se estiverem criadas condições
favoráveis: não haver a barreira linguística, estares cá tempo suficiente e teres
colegas chineses de “mente aberta” que já tenham estado fora da China algum
tempo. Se estas condições não estiverem presentes, dificilmente terás um amigo
chinês. Claramente estas condições não estavam criadas para mim…
Foram 3 anos muito especiais que chegam agora ao fim, que vão
deixar saudades e muitas histórias e estórias para contar e recordar.
Este texto encerra o blog dedicado à nossa grande aventura na
China. Resta-me agradecer a todos pelo vosso feedback, por terem sido leitores
interessados e assíduos e também comentadores curiosos.
Grata a todos por estes 3 anos e, muito especialmente, ao meu
marido pois sem ele nada disto teria sido possível!
Fiquem atentos às cenas dos próximos capítulos. Até breve…