Quase quinze meses depois de ter
aterrado no PEK (Aeroporto Internacional de Pequim), acredito que neste momento
os meus dias estão no chamado “ponto de rebuçado”, felizmente sem a carga
calórica adicional. Algumas das metas que me propus alcançar estão bem encaminhadas
e isso faz-me sentir bastante bem. Acima de tudo, sinto que consegui
estabelecer um equilíbrio, um ritmo e uma rotina saudáveis que me permitem
sentir útil, ocupada e, sobretudo, com pouco tempo livre. Aliás, tão pouco
tempo livre que ainda não tinha arranjado umas horinhas para me dedicar a este
blogue. J
(So sorry about that!)
Com grande pena minha também não
tenho tido disponibilidade para ler. A pilha de livros continua no escritório à
minha espera e a “wishlist” tem aumentado. Apetece-me muito passar umas horas
no meu novo e confortável sofá com a minha Micas e um bom livro mas a
prioridade tem sido o ginásio e as aulas de Mandarim que começaram semana
passada. Voltar a Portugal de férias passou a ser sinónimo de engorda e estava
na hora de voltar à forma que me propus alcançar há dois anos. Entre caminhadas,
alguma corrida, boas escolhas nutricionais e muita força de vontade estamos todos
(quase todos porque a pequena não precisa!) no bom caminho da boa forma física.
E desenganem-se os que pensam que não preciso. Então não sabem que daqui a três
meses estou novamente em Portugal para a engorda natalícia?! Preciso de lá
chegar com margem de manobra para o pecado da gula. J
Voltar a Portugal, ou
simplesmente estar de férias fora da China, acarreta um outro problema muito
grave (para além do facto óbvio de que se gasta muito dinheiro!) que é não se
praticar Hànyǔ (a língua chinesa). Com quem poderia eu praticar o meu extremamente
básico Mandarim em Portugal? Indo fazer compras às “lojas dos chineses” ou
comendo “arroz chau chau” todos os dias, dizem vocês. Pois bem, não fiz uma nem
outra e quando cá cheguei o meu Mandarim “extremamente básico” estava no nível “praticamente
indecifrável”. Integrar uma turma de nível 2 só serviu para confirmar o que eu
já temia: esta língua é muito (mesmo muito) difícil e só se consegue aprender
se se praticar todos os dias. Felizmente este novo grupo é ainda mais engraçado
e heterogéneo do que o anterior: eu, uma dinamarquesa, uma lituana, uma
brasileira e uma inglesa guiadas por uma lǎoshī (professora) de vinte e oito
anos, também ela muito bem-disposta. Não há maneira de estas aulas serem
aborrecidas e temos todas muita paciência para ouvir os disparates que nos saem
pela boca fora.
E por falar em disparates, há
duas ou três situações que eu preciso de partilhar convosco e que, direta ou
indiretamente, têm a ver comigo e com a cultura e a tradição chinesas. A
primeira delas tem a ver com as minhas idas ao ginásio. O espaço que frequento
fica no condomínio onde moro, o que torna as idas mais confortáveis porque nem
sequer tenho que sair à rua e em três minutos estou lá. O espaço é agradável,
tem boas instalações e funcionários simpáticos…um pouco intrometidos, mas
simpáticos. Para além do ginásio propriamente dito podemos praticar yoga,
zumba, pilates, natação, ténis de mesa, xadrez, bilhar, squash, entre outros. Em
Portugal nunca fui grande adepta de ginásios e, nos meses que frequentei, não
me lembro de nenhuma situação constrangedora. Ajudem-me aqui meninas. Uma
pessoa chega, troca-se, vai queimar umas calorias, faz uns alongamentos,
regressa ao balneário, toma o seu duche, veste-se e sai. Esta parece-me a ordem
natural das coisas. Pois por aqui, para além destes passos mais óbvios, há
também o chamado “observar”. Este desporto parece-me bastante popular por estas
bandas e as funcionárias do balneário feminino são as verdadeiras Usain Bolt do
“observar”. É vê-las inspecionar a tua técnica de lavar as mãos, de apanhar o
cabelo, de tomar duche ou simplesmente de apertar o soutien…acessório
desconhecido de muitas chinesas. Uma pessoa sente-se nua…quer dizer, duplamente
nua, desprotegida, invadida…mas depois apercebes-te que não é só contigo que
fazem isto. É com todas as utentes, estrangeiras e chinesas. Hum…muito
estranho!
Mais estranho ainda é ser-se
mulher chinesa e grávida neste país. É todo um mundo novo de esquisitices que
se abre à tua frente e nem sabes muito bem como reagir ou pensar. Após décadas
de restrições quanto ao número de filhos permitido por casal, políticas mais ou
menos contestadas e mais ou menos contornadas consoante os zeros à direita na
conta bancária, hoje em dia é muito comum encontrar-se uma chinesa grávida. Elas
andam ainda e são verdadeiras portadoras do futuro desta nação. Carregam um
filho no ventre e séculos de cultura e tradição às costas.
Vocês sabiam que durante a
gravidez a mulher não pode beber nem comer nada que seja frio? Água? Só quente!
Chá? Nem pensar. Os chineses acreditam que tem propriedades negativas para o
feto. Outros alimentos frios e até crus? Esqueçam! Convenhamos que à falta que
a Asae faz por estes lados, algumas destas restrições deviam ser sempre seguidas
à risca. Gelados? Também não! OMD! Que frustração!
Vocês sabiam que depois de dar à
luz uma mulher não pode tomar banho durante um mês? Não pode sair de casa, tem
que manter portas e janelas fechadas e não pode sequer ligar o ar condicionado
mesmo que seja verão e estejam 40° à sombra?
Basicamente as parturientes
chinesas devem permanecer em descanso total durante um mês sem poder abusar na
leitura e na televisão (será que o mesmo princípio se aplica aos telemóveis?),
não devem chorar (porque pode perturbar o bebé e faz mal à visão da mãe) nem
devem receber visitas durante esse mês com exceção das avós do bebé. As regras
do “zuò yuè zi” (o chamado “mês sentado”) variam de região para região e de
família para família. Existem as mais tradicionalistas e outras que nem por
isso mas mesmo as jovens mães modernas, instruídas e viajadas se sentem muitas
vezes impotentes perante a enormidade de regras impostas pela própria família
durante este período tão especial.
Depois de saberem disto não se
sentem felizardos por terem nascido em Portugal?
Primeiro texto do nível 2 de Mandarim |
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