Parece-me incontornável referir a
entrevista que a querida Alice Vilaça me fez há alguns dias. Nunca tinha ouvido
o seu programa em Portugal e fiquei muito agradada com o seu profissionalismo e
a forma como me deixou à vontade para poder falar sobre as minhas experiências.
O grande instigador foi o meu pai.
Ouvinte atento e assíduo, um dia resolveu elogiar o programa na página
do Facebook e a Alice respondeu. Receber feedback da própria jornalista foi, só
por si, lisonjeador, mas o meu pai foi mais longe e falou-lhe da filha e do
facto de eu estar aqui em Pequim numa nova aventura. E, pronto, surge o convite
para uma entrevista. O que se pode dizer perante isto? Aceita-se e depois
roem-se as unhas, imagina-se toda uma conversa e vai-se ao baú sacudir o pó das
memórias de Timor e da Serra Leoa. Para quem me conhece há muitos anos ou para
quem teve tempo, curiosidade e vontade de ouvir os 30 e tal minutos de conversa
que tivemos, sabe como foi o meu percurso até aqui. Neste momento quero
agradecer a todos os que me felicitaram pela entrevista. Foi mais uma
experiência. Bem ou mal, com mais ou menos nervosismo à mistura, sei que fui eu
própria, com direito a sotaque e tudo! Goste-se ou não se goste, esta sou eu…e
a que falou na rádio também sou eu. Sou quem sou e estou onde estou em parte
graças às escolhas que fui fazendo ao longo dos anos. Sou quem sou e estou onde
estou porque cresci a ouvir estórias da Marinha em África, porque sempre me
ensinaram a lutar pelos meus objetivos, porque cresci a viajar…primeiro dentro
do país e depois na Europa. Estou onde estou e sou quem sou porque um dia
ganhei coragem e em 10 minutos tomei a decisão mais marcante da minha vida. E
foi essa decisão que mudou para sempre o meu rumo. Talvez exista um destino
marcado para cada um de nós, talvez, mas quem toma as decisões sou eu.
Dito isto, outra decisão que
tomei foi aprender Mandarim. E que decisão esta! Tem sido bastante agradável
este percurso e garanto-vos que é para continuar. O bichinho de estudar está
cá. Eu sempre gostei de estudar. Sempre fui uma estudante aplicada…que o digam
os que me conhecem desses tempos. E ainda agora a minha professora de Mandarim
o diz. Também se estou a pagar uma verdadeira fortuna por estas aulas (600
euros só para o nível 1), tenho mais é que as aproveitar ao máximo. E valeu a
pena. Ainda que só saiba desenrascar-me para ir fazer umas comprinhas ao
mercado, fazer uns pedidos no restaurante ou falar com o taxista, a verdade é
que paralelamente ao programa se aprende muito da cultura chinesa e isso não
tem preço. Concorde-se ou não com a maneira de ser deste povo, com os seus
costumes e métodos, a cultura chinesa é riquíssima e tão diferente da nossa que
todos os dias se descobre algo de novo que nos deixa a pensar.
Semana passada, por exemplo,
fiquei possuída de raiva. Já se sabe que por aqui o respeito pelas regras de
trânsito é muito relativo. Testemunho isso todos os dias, várias vezes ao dia
e, honestamente, já devia estar habituada mas há coisas que não consigo
engolir. Estou quase a chegar à escola do André para o ir buscar e deparo-me
com um grupo de cerca de 15 pessoas à espera para atravessar a passadeira.
Resolvo fazer o mais normal e civilizado e abrando até parar para os deixar
passar. Qual não é o meu espanto quando verifico que todos, sem exceção,
permanecem parados e a olhar para mim como se fosse alguma ave rara que tivesse
acabado de pousar ali. Gente, eu não sou nenhum OVNI. Isto é uma passadeira, vocês
são peões e eu parei. Qual é o filme aqui? O filme é que eles não atravessaram,
eu fiquei a fazer figura de alien e para ajudar à festa chega-se atrás de mim
um carro da polícia, isso mesmo, leram bem, e resolve apitar-me e
ultrapassar-me. E eu o que fiz? Passei-me. Deixei andar a polícia e depois
comecei a passar-me com os peões indicando-lhes a passadeira e mandando-os
passar. Que raio!!! Fiquei verdadeiramente furiosa com aquela situação, com a
polícia e com os peões mas pensando bem eles é que têm razão. A alien aqui sou
mesmo eu. Venho para cá cheia de ideias civilizadas, a fazer o bem e tentando
que eles percebam que estão a proceder erradamente. Mas como é que eu, sozinha,
posso fazer frente a séculos de mentalidade distorcida e do dia para a noite
ensiná-los? Impossível, certo? Portanto, “lesson learned”. A partir desse dia
deixei de ser “totó” e passei a ignorar os peões nas passadeiras. Não querem
passar? Quem sou eu para os contrariar! Claro que a minha natureza civilizada
não foi enterrada nas profundezas. De vez em quando porto-me bem e recebo em
troca uns olhares estranhos mas, enfim, “this is China”! Habitua-te Elizabete!
Aprende-se muito sobre um país explorando-o fisicamente mas também lendo sobre a sua história e cultura. Há uma autora que já conheço há
algum tempo mas que só agora tive oportunidade de começar a ler e que me está a
deliciar com a sua narrativa. Xinran é uma jornalista chinesa nascida em 1958
em Pequim e autora de vários livros sobre a condição feminina na China e sobre
a política do filho único que entrou em vigor neste país na década de 70. Com
uma visão privilegiada da cultura chinesa e da cultura ocidental (mudou-se para
Londres em 1997), é através dela que estou a perceber melhor uma parte da história
recente da China. Tem sido uma viagem de descoberta desde que cá cheguei e
agora encontrei em Xinran uma guia excelente. O livro que estou presentemente a
ler – Buy me the sky – não será certamente o último.
Comecei a ler este teu texto uma destas manhãs bem cedinho, antes de ir trabalhar. E que bem que soube.
ResponderEliminarObrigada pela partilha. É bom ficar a conhecer outras culturas através de alguém com a tua capacidade crítica.
Continua!
Obrigada Sónia. Continuarei! Beijinhos e felicidades na nova etapa que aí vem.
EliminarOlá princesa! Continuas a escrever muito bem. Qualquer dia, vou ter que comprar mais um livro de uma amiga que viaja pelo mundo fora!! Acreditas que ainda não consegui ouvir a tua entrevista. E neste momento, tenho que fazer um teste e acabar de escolher a analisar os novos manuais. Beijinhos para o quinteto(incluo a Lindinha) português na China.
ResponderEliminarObrigada madrinha e amiga. Não tenho escrito muito mas faço por escrever "decentemente". Ehehehe Daqui a nada já aí estou. Ainda ouvimos a entrevista juntas!!
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