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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Considerações gastronómicas e não só

Passado que está o fim-de-semana do Mid-Autumn Festival, do qual vos dei conta no último texto, esta semana começou bem cinzenta e molhada. Parece que finalmente o outono se instalou por cá. Devido ao Festival e ao feriado nacional que se aproxima (comemorando a fundação da República Popular da China a 1 de Outubro de 1949) as escolas estão fechadas durante esta semana. Em resumo: duas crianças em casa, mau tempo lá fora e poucas ideias para os entreter e, ainda assim, ter alguma paz de espírito. Desde já se aceitam sugestões! ;)
Recuando uns dias, no sábado tive a oportunidade de conhecer outros portugueses residentes em Pequim. Foi bom poder ter conversas em português, sobre Portugal e a China num ambiente descontraído e jovem. O grupo é bastante heterogéneo e isso torna-o mais interessante e as conversas mais enriquecedoras. Absorvi cada detalhe com gosto, cada dica com atenção pois vinham de gente que cá está há, pelo menos, meia dúzia de anos e sabe daquilo que fala. Apesar disso, sei que a cidade que eu vou conhecer nos próximos anos será a minha Pequim, o meu mundo, a minha experiência, ímpar e original. O bom disto tudo é que daqui a um mês nos voltamos a reunir e assim o esperamos fazer (quase) todos os meses.
Na semana em que a Língua Portuguesa comemora 800 anos de existência parece-me oportuno referir que por cá a nossa língua está muito pouco representada. Bem sei que se diz que há um "tuga" em cada cantinho do mundo e aqui não é exceção, mas somos poucos e, como tal, com pouca visibilidade. Se fores espanhol, italiano, francês, russo, grego, turco, americano, encontras lojas especializadas que vendem produtos a que estás habituado, tens restaurantes que servem os pratos que mais gostas, institutos onde se aprende a tua língua, canais de televisão…se fores português não tens nada disso. Queres comer bacalhau? Tens que mandar vir de Portugal (pagas mais de 20 euros por uma caixa com 2 kg, sem contabilizar o que pagaste pelo próprio) ou mandas vir de Macau; Queres ir almoçar a um restaurante que serve comida portuguesa? Tens que ir ao único restaurante português da capital chinesa que fica localizado num hotel seis estrelas e onde os preços são um atentado às tuas finanças familiares; Queres ir até a um instituto onde possas ler livros ou ouvir música na tua língua…até mesmo dar aulas de português…não existe; a RTP Internacional também não é tida nem achada por cá! Por isso digo que estamos muito mal representados comparativamente com outros países europeus e não só.
Na escola internacional que o André frequenta, ele é o único português embora não seja o único falante da nossa língua. Existem alunos angolanos, guineenses e brasileiros e é giro ver como todos nos sentimos bem (pais e alunos) quando descobrimos este elo que nos une e podemos expressar-nos à nossa maneira.
E por falar em língua…os meus progressos na aprendizagem do mandarim têm sido muito ténues. Continua a ser uma grande aventura comunicar mas, felizmente, tudo tem corrido bem. Até no mercado já me sinto mais à vontade. Já consigo perceber alguns valores e tenho noção de quanto costumam custar certos produtos.
O mercadinho ao pé de minha casa é ponto de paragem obrigatória. Vou lá gastar os meus yuans pelo menos 3 vezes por semana. Compro sobretudo frutas, legumes, ovos e massa fresca (sempre baratos e de boa qualidade) embora também se vendam outros produtos: carne, peixe, marisco, frutos secos e sementes, roupas, doces e artigos para o lar – esfregões, papel higiénico, meias, toalhas, etc. Há ainda um sapateiro, uma costureira e dois “estaminés” pequenos onde se pode comer comida feita na hora mas, na minha opinião, de qualidade duvidosa! A comida de rua pode ser deliciosa e até apelativa ao olhar mais desatento mas as condições físicas em que é preparada e a qualidade e frescura dos produtos que são utilizados deixa-me muitas vezes de pé atrás. Faz muita falta uma entidade como a Asae por estes lados. ;)

Marisco
O "talho"
A costureira
A comprar legumes
A comprar fruta

Uma técnica é comprar o que ainda está vivo como faço, por exemplo, com o camarão. Se se mexer é porque à partida está bom, certo? Se não, corro o risco de estar a comprar um produto que já foi congelado e descongelado uma data de vezes. O peixe é outro artigo “perigoso”. Já me aconteceu comprar peixe estragado e só quando o cozinhei é que me apercebi. Por cá é muito difícil comprar peixe fresco de qualidade. Já o tinha percebido por experiência própria mas os estrangeiros com quem falei alertaram-me para esse aspeto negativo. Com o tempo aprendemos a conhecer os melhores locais para comprar carne ou peixe, onde se encontram os produtos mais “ocidentais”, os preços mais convidativos ou o pão mais gostoso. 
E ainda falta explorar tanta coisa…










quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Outono

Em Portugal o dia 23 de setembro marca o fim do verão e o início do outono. Normalmente coincide com o regresso às aulas dos miúdos, a descidas das temperaturas e eu, particularmente, associo o outono ao vinho doce e às castanhas assadas. Por aqui o regresso às aulas já se deu há um mês e o bom tempo continua embora haja menos humidade e temperaturas mais amenas; está portanto mais agradável para andar lá fora a passear, desde que os níveis de poluição não estejam escandalosamente altos e perigosos! Não há vinho doce (com MUITA pena minha) mas ainda se encontram castanhas e até já as comemos assadas! ;)
Enquanto por aí se diz adeus ao verão, se choram os idos dias de praia, de calor e de férias, os chineses celebram o outono com pompa e circunstância. O denominado “Festival do meio do outono” ou “Mid-Autumn Festival” é dos mais importantes e populares na China, dura dois dias e é já este fim-de-semana. De acordo com o calendário lunar chinês, celebra-se no décimo quinto dia do oitavo mês do ano lunar. Os chineses são muito cientes da sua cultura e gostam de preservar as suas tradições. Nos dias que antecedem os festejos os chineses dedicam-se a engalanar as suas casas e a comprar “moon cakes” para oferecer aos seus familiares e amigos.  Os “moon cakes” são muito famosos e vendem-se ao longo de todo o ano mas é nesta altura que adquirem significado especial…e preços por vezes exorbitantes. São redondos e simbolizam a lua que estará no final da semana no seu estado mais brilhante e redondo. Por este motivo é que muitos também se referem a esta celebração como “Moon Festival”.
Em termos históricos o Festival teve a sua origem porque os chineses se aperceberam que a lua e os seus movimentos tinham influência direta na produção agrícola e nas mudanças das estações. Deste modo, para agradecer à lua pelas boas colheitas ofereciam sacrifícios por alturas do outono. Sabe-se que no século X AC já se celebrava este festival. As cerimónias evoluíram ao longo dos anos e hoje em dia podemos encontrar vários tipos de “moon cakes”, com recheios bem diferentes dos tipicamente tradicionais. A empresa que nos alugou a casa onde vivemos veio há dias oferecer-nos uma caixa com “moon cakes”. Confesso que comi mas não fiquei fã, mas a caixa é lindíssima e devem ter sido bem caros. Hoje durante o meu passeio matinal com a Catarina encontrei uma tenda da Häagen-Dazs a vender diferentes caixas de “moon cakes” e, esses sim, devem ser deliciosos pois os recheios eram todos à base dos sabores dos seus gelados! Fiquei tentada mas não comprei pois a caixa mais barata custava quase trinta e cinco euros!!!
Também o nosso condomínio se enfeitou à altura para a ocasião. Segunda feira quando saí de casa para levar o André à escola vi a entrada toda decorada com vasos de poinsétias e outras flores que não soube identificar. Ficou ainda mais bonito o nosso prédio!
E terminada que está a aula de cultura chinesa, me despeço de todos com carinho e mais algumas fotos. Um bom outono e… cuidado com o vinho doce! ;)

Um dos muitos arranjos à entrada do condomínio

A entrada toda ornamentada

Caixa de moon cakes 

Moon cakes

Moon cake

sábado, 12 de setembro de 2015

16 anos

Há muitos anos que setembro significa para mim o regresso à escola, a azáfama de comprar o material escolar, de adquirir os livros e, sobretudo, de aguardar por uma colocação.

Quando somos crianças é comum fazerem-nos perguntas do género “O que queres ser quando fores grande?” ou termos de redigir uma composição sobre a nossa profissão preferida no primeiro ciclo. Eu quis ser professora…e também quis ser hospedeira de bordo…e tradutora…e, bem ou mal, o destino colocou-me no caminho da educação.

Lembro-me bem de alguns dos meus professores e professoras, aqueles que me marcaram, sobretudo pela positiva. Homens e mulheres com o dom de ensinar, dedicados à profissão e aos seus pupilos. A eles devo os belos exemplos que me deram e o muito que me ensinaram.

Fui professora durante 16 anos. Desde o ano de estágio que guardo boas recordações e boas amizades com muitos ex-alunos e ex-colegas de trabalho. Gosto de pensar que também eu fui capaz de transmitir uma mensagem positiva a alguns deles e que, de uma ou outra maneira, consegui marcá-los positivamente.

Não é fácil ser professor em Portugal. Se não são as condições físicas das escolas, é a falta de recursos materiais e humanos; se não são as colocações, são os alunos; se não é a distância da família, são as políticas educativas… se não são umas, são outras e, ultimamente, são todas ao mesmo tempo.
Há 16 anos não imaginei que o panorama atual pudesse ser tão caótico e nem vale a pena listar aqui os ataques que têm sido perpetrados aos professores, à escola e aos alunos por diferentes cores governativas. Apesar de tudo, dar aulas era a minha vida, o meu ganha-pão, o que me fazia sentir útil e socialmente realizada. As dores de cabeça, o trabalho exagerado, a burocracia desmesurada, os desafios diários, tudo isso me fazia sentir viva, ainda que cansada e cada vez mais revoltada.

Hoje penso e escrevo com a serenidade que a distância me permite. Pela primeira vez em 16 anos passei o verão sem me preocupar com o futuro próximo, sem ter noites mal dormidas por causa da ansiedade, sem saber se ia poder passar o ano perto dos meus filhos ou não, sem saber se ia ter trabalho ou ir para a fila do desemprego. Observo de longe todo o frenesim e não sinto saudades. Saudades de estar com os alunos, sim. Saudades de alguns colegas/amigos e do convívio e dos laços que se criam, sim. Saudades de tudo o resto, não. Como posso ter saudades quando sei de colegas que estão há anos sem uma colocação certa? Que há anos vivem longe da família, com a casa às costas? Saudades de alunos malcriados e desrespeitadores? Não! Saudades de um sistema podre, de compadrio e tachos? Não! Saudades de políticas economicistas que fecham os olhos às verdadeiras necessidades dos alunos e se focam apenas em estatísticas para europeu ver? Não! Não, obrigada.

Sinto-me grata por poder desfrutar dos meus filhos, por poder dar-lhes a atenção que merecem, por poder gozar a sua infância sem me preocupar com o dinheiro ao fim do mês. Grata por ter a família unida ainda que longe da terra natal. Grata por poder proporcionar aos meus filhos experiências únicas que os vão ajudar a crescer e a ser cidadãos de mentes tolerantes e horizontes alargados, cidadãos do mundo.


Aos colegas/amigos que estão desse lado e se identificam nestas palavras, que passam todos os anos pelas mesmas angústias e incertezas, só vos posso desejar toda a sorte do mundo. Que sejam muito felizes e que possam alcançar a estabilidade profissional que tanto desejam. 

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Caos

Na passada segunda feira tivemos que dizer “até breve” aos meus pais. Os que têm seguido este blog sabem, com certeza, que vieram connosco em julho e por cá estiveram cerca de mês e meio. “O prazo de validade” (!!) era 1 de setembro e antes que a chuva espreitasse, o sol esmorecesse e os chineses se fartassem deles, lá foram de volta a Portugal. Uma pessoa habitua-se e as rotinas levam o seu tempo a dissipar-se. O quarto de hóspedes passou a ser o quarto “deles”, o wc mais pequeno passou a ser o “deles”. A minha mãe, com toda a sua sabedoria, ia às compras ao mercadinho e trazia as melhores frutas e legumes; e o meu pai, alérgico a sofás, calcorreava as ruas do distrito de Chaoyang e chegava a casa cheio de novidades e fotos fantásticas. Era uma vida a seis bastante preenchida e bem disposta. Os seis passaram a ser quatro + dois há uma semana. A rotina do Skype voltou a instalar-se, as saudades regressaram e a contagem decrescente para o Natal começou.

Apesar de tudo, a semana passou a correr. Aliás, a única coisa que não “corre” por aqui é o trânsito. Conseguem imaginar cruzamentos onde em cada direção há, pelo menos, quatro faixas de rodagem e ainda as passadeiras pelo meio? Confesso que em todas as cidades por onde passei nunca vi um trânsito tão caótico como o de Pequim. Ele é passadeiras atravessadas por peões, bicicletas, motorizadas e riquexós…ele é linhas contínuas (quádruplas) descaradamente ignoradas, inversões de marcha em qualquer canto, táxis a parar para receber ou largar clientes em plenas faixas de rodagem e até passadeiras, buzinadelas por tudo e por nada…piscas desconhecidos, paragens em segunda e terceira fila, danças entre faixas de rodagem, desrespeito total pelos peões… e o que de mais medonho e impensável possam imaginar. Já para não falar na questão dos telemóveis que por si só daria um belo contributo para este blog. Para virarem para a direita num cruzamento ou entroncamento não precisam de esperar pelo semáforo. Mesmo com o vermelho podem seguir!! Os semáforos estão a centenas de metros à frente do local onde devem parar o carro se estiver vermelho…e nas passadeiras não se deixam passar os ciclistas nem tão pouco os peões. Aliás…nem sei porque é que gastaram dinheiro a pintar umas faixas brancas nas estradas se depois não as respeitam!! A única regra que eu vejo a ser cumprida à risca são os semáforos. De facto, se estiver a mudar para amarelo os chineses param, ao contrário de muitos portugueses que aceleram! Esta selva que é o trânsito de Pequim pareceu-me assombrosa no início. Andei muitas vezes no lugar do pendura simplesmente embasbacada com tanta asneira por metro quadrado e nunca imaginei que o dia em que me comportaria como eles chegaria tão depressa!!! Sim, assustem-se MUITO pois quando chegar a Portugal vou ser um verdadeiro inimigo público ao volante! Hihihihihi