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terça-feira, 29 de novembro de 2016

A poucos dias de viajar de férias para Portugal, o tempo tem sido dividido entre as lides domésticas, os filhos, as aulas de mandarim e as compras de Natal. Com o marido fora em viagens de trabalho pela Coreia do Sul e a Tailândia, aproveitei para impor a mim própria algumas regras. À falta de tempo livre para voltar ao ginásio, regressei às refeições ligeiras, saudáveis e pouco calóricas (exceção feita aos fins de semana) … uma espécie de estágio pré-engorda natalícia. Procurei igualmente deitar-me cedo todas as noites. Chamemos-lhe uma “cura de sono” já que de manhã o relógio tem despertado, impiedosamente, às 6h30. Diria o meu rico paizinho que depois das 7h30 já é “apodrecer” na cama e que os dias devem ser bem aproveitados. Não sei como é que consegue, aos 65 anos, ter mais genica do que eu mas invejo-lhe esta garra e o gosto que tem em enfrentar todos os dias caminhadas de vários quilómetros, faça chuva ou faça sol. Por cá custa sobretudo enfrentar o trânsito caótico todas as manhãs mas pelo menos dentro do carro está quentinho e a seleção musical é 5 estrelas. Diz-se por aí que ainda é outono e parece que este ano as temperaturas de Pequim se adequaram à estação. Depois de meia dúzia de dias mais rigorosos e de um primeiro nevão (a 21 de novembro), pudemos todos retomar as nossas vidas sem medo de congelar mãos ou ver narizes a cair com temperaturas dignas de uma Mongólia. Mesmo assim é proibitivo sair à rua sem gorro, luvas, cachecol, casaco de boa qualidade e roupa interior térmica.

No início da passada semana, tinha o maridão acabado de descolar rumo a Seul, começou a minha mais recente saga. Ligam-me da escola do André para avisar que tinha havido um “pequeno” acidente mas que o garoto estava bem. Ora… bem, bem, não estava. “Só” tinha partido praticamente a meio os dois dentes da frente enquanto dava umas voltas de aquecimento durante a aula de Educação Física. Acelero para a escola e eis que me surge uma dúvida mesmo parva. Então…o rapaz vai precisar de um dentista. Mas onde, nesta “terrinha”, é que eu vou encontrar um bom profissional? O que fazer nestas alturas em que nos sentimos sozinhas e entregues a nós próprias? Felizmente que a minha querida amiga Ana me salvou e me deu o contacto de uma médica chinesa de categoria, com muita experiência e de confiança. A Dra. Cao (leia-se “tsau”) não é a minha adorada Dra. Carla Gomes em quem eu confio a 100% e que há muitos anos acompanha o André, mas no meio da minha aflição foi a Dra. Cao que nos ajudou e, ao que parece, o rapaz está em boas mãos. Foram 8 dias de expectativa mas valeu a pena a espera e o meu André já pode voltar a sorrir com confiança.
Quando caiu
Depois da ida à dentista









Ainda a semana não tinha terminado e eu já tinha tido duas aulas de mandarim com direito a exame por escrito e ditado de caracteres. A idade pesa e a paciência e disponibilidade para os estudos já não é o que era mas esta “obrigação” de estudar dá-me um propósito e um objetivo e mantém a minha mente saudável e funcional. Faz-me um bem tremendo e, muito embora me sinta uma completa ignorante numa das línguas mais difíceis do mundo, lá consegui tirar uma nota razoável e completar um ditado de caracteres de forma (quase) imaculada.


A primeira página do exame de Mandarim

Muito embora não seja típico da minha pessoa, a passada semana aceitei ainda o desafio de uma amiga e lá fui meter mãos à obra por uma boa causa. Confesso que nem todas as boas causas são “boas” aos meus olhos e, sinceramente, neste país de enormes contrastes faz-me confusão ver os estrangeiros a contribuir mais do que os próprios chineses. Chamem-me o que quiserem, julguem à vontade, mas numa cidade onde mais de 100 bilionários residem, num país com mais de meio milhar de bilionários, parece-me que há muita gente melhor capacitada para ajudar quem mais precisa sem precisar de recorrer a ajuda estrangeira. Infelizmente, muitos dos ricos deste país não sabem o que fazer a tanto dinheiro e, ao invés de o canalizarem para causas mais nobres, preferem dar-lhe uso em roupas de marca que usam uma só vez, carros de luxo, imobiliário, viagens e joias. E depois admiro-me que os pobres que nos esperam de braço esticado em determinados semáforos da cidade tenham como “alvo” preferencial os carros dos diplomatas e não os carros de luxo dos chineses … ou que as “ayis” prefiram trabalhar para famílias estrangeiras porque são melhor pagas e mais respeitadas. Nada disto me devia surpreender mas as estórias que quase diariamente me chegam ao conhecimento não abonam muito em favor dos chineses endinheirados. Apesar de tudo isto, lá fui eu armada em boa samaritana decorar bolachinhas de gengibre – as famosas “gingerbread cookies”. Gulosa que sou por esta iguaria surpreendi-me com o meu bom comportamento e não dei sequer uma dentadinha para lhes tomar o gosto. Dei o meu melhor por uma boa causa e, sobretudo, passei um bom momento de descontração e tagarelice em inglês e italiano-espanholês. Duas horas muito agradáveis que renderam mais de uma centena de bolachinhas decoradas que foram mais tarde vendidas e transformadas em lucro para uma obra de caridade.
Na CISB a preparar para decorar as bolachinhas
Algumas das bolachinhas que decorei













Quando empacotei parte da minha vida para vir morar em Pequim fiz questão de trazer duas caixas carregadinhas de artigos natalícios. Se podia comprar tudo aqui e a bons preços? Poder podia, mas não ia ser a mesma coisa. Os enfeites do pinheirinho têm vários anos e todos eles contam uma história, acompanham-nos enquanto família e é muito reconfortante poder reunir todas as peças ano após ano para mais umas semanas de espírito natalício. Este ano os miúdos acompanharam as decorações com canções e gargalhadas e a minha velhota Micas preferiu observar tudo à distância e ainda não resolveu destruir nada. Ainda assim, aproveitei o passado sábado para visitar um mercado bem conhecido da cidade e que, até à data, tinha ignorado. O Liangma Flower Market fica estrategicamente localizado na área das embaixadas e dos grandes hotéis, junto ao rio Liangma e, por estes dias, é dos melhores locais para adquirir árvores de Natal falsas e verdadeiras e todo o tipo de artigo natalício. Confesso que fui lá mais pela curiosidade do que pela necessidade de comprar, até porque tinha ficado com a impressão de que os preços eram pouco convidativos, mas vim de lá com algumas coisitas bonitas e baratinhas. Sem dúvida um local a visitar mais vezes.

No interior do Liangma Flower Market

Liangma Flower Market

Antes de terminar gostava de vos pedir um favor. Pensem um pouco naquilo que conhecem da China, a imagem que têm deste país e naquilo que eu vos fui contando ao longo destes meses. Pensem naquilo que gostariam de saber e ainda não sabem. Deixem-me as vossas sugestões de temas ou dúvidas para que em próximos textos vos possa “matar” a curiosidade.


E, em jeito de conclusão, deixo-vos uma curiosidade que descobri hoje durante a aula de Mandarim. Sabem o que diz um chinês a alguém que ouve a espirrar? Yī bǎi suì, ou seja, “cem anos de vida”. Achei curioso pois desejam que essa pessoa viva uma vida longa. 

domingo, 6 de novembro de 2016

Herança

Domingo, 6 de novembro de 2016. Assim, Elizabete, sem te dares conta, já estás aqui há um ano e quatro meses e o teu marido, grande responsável por esta enorme aventura, está aqui há dois anos. Lembro-me bem do dia 1 de novembro de 2014. Recordo, sobretudo, o nó cada vez mais apertado no coração, as lágrimas reprimidas e o sentimento de abandono. Já o disse aqui várias vezes: não gosto nada de despedidas, não sei lidar bem com elas, evito-as sempre. Digo sempre “até já” ou “até breve” porque quando elas (as ditas despedidas) nos fazem sangrar a alma é porque aquele (s) de quem nos despedimos são muito importantes para nós. Tanta angústia e agora olho para trás e passou tudo tão rápido.

Aliás, é impressionante como aqui o tempo passa rápido. Os dias são tão preenchidos que cá em casa nem nos lembrámos que terça era dia 1. Não houve lugar a um brinde nem a festejos, mas sei que, individualmente, cada um comemorou à sua maneira, agradeceu o que tinha de agradecer e refletiu sobre este percurso. Ele, melhor do que eu, poderia falar disto, das dificuldades que encontrou à chegada, das incertezas, do sentir-se “perdido” e tantas vezes questionar se teria tomado a decisão certa. Hoje podemos afirmar que deixar Portugal foi a melhor decisão que tomámos e que, a cada obstáculo, nos tornamos mais fortes como família, mais unidos e crescidos. Quando ouves o teu filho dizer que adora viver na China, que não quer sair daqui, que adora a escola onde está, sabes que estás no bom caminho e que o teu filho é feliz…apesar de toda a distância que o separa dos avós ou das comidinhas boas que ele adora. Quando se tem a felicidade dos nossos filhos, tem-se toda a riqueza do mundo. E não é esse o objetivo de qualquer pai? Pode soar a cliché mas é verdade. Poder proporcionar esta vida aos nossos filhos é o melhor presente para o futuro que lhes podemos dar e eu não falo aqui de ter estatuto diplomático, viver numa casa confortável ou ter uma conta mais ou menos recheada. Refiro-me à experiência fantástica que é, todos os dias, viver aqui (poluição à parte, condutores chineses à parte e comida falsificada à parte, claro!). Lidar diariamente com quatro línguas como a Catarina faz, ter amigos de uma dúzia de nacionalidades diferentes como o André tem, trocar experiências com crianças de outras raças e religiões, aprender a ser tolerante, tratar por tu a “diversidade”, explorar a cultura milenar deste país…tudo isto não tem preço. É a melhor herança que lhes podemos deixar: serem cidadãos do mundo.

Depois há a vida paralela de aventuras fora da China. Poder proporcionar-lhes viagens e experiências únicas noutros países faz parte da referida herança. Felizmente que nós, como casal e como pais, fazemos questão de viajar e dar-lhes a conhecer o mundo. Por nossa culpa o André já conhece 18 países diferentes e viaja desde os 6 meses. Por nossa culpa a Catarina viaja desde os três meses e já viajou para 7 países. Há quem gaste dinheiro em vícios, almoços ou jantares fora várias vezes por mês, roupas e outros acessórios caros, nos últimos gritos da tecnologia, a dar aos filhos tudo o que pedincham, a ir ao cabeleireiro todas as semanas. Nada contra todos estes gastos. Cada um faz aquilo que quer com o dinheiro que tem. Eu não tenho qualquer problema em dizer que compro roupas baratas na Primark ou nas lojas dos chineses como também não tenho problema nenhum em dizer que adoro gastar dinheiro em viagens e em livros. São o meu luxo e o meu vício. Que se lixem as marcas, para mim um carimbo no passaporte e mais um livro devorado têm muito mais valor.

E por aqui a vida é feita de contenção na hora de gastar dinheiro em coisas supérfluas (como sempre fizemos) porque o dinheiro deve ser poupado para aquilo que consideramos verdadeiramente importante. Se perguntarem ao André ele dir-vos-á que primeiro o dinheiro é para comida, saúde e roupa e depois é que vêm os outros gastos. Foi ensinado assim desde pequenino e com a irmã é igual. Não têm tudo o que querem nem quando querem e todos os gastos são ponderados porque todo o euro ganho pelo pai é poupado e gerido pela mãe e, ao contrário do que muitos possam pensar, cada euro custou muito a ganhar.

É por isso que, depois de ter gasto cerca de 600 euros no nível 2 de Mandarim, só posso mesmo levar o curso muito a sério. Mudámos de professora, já vos tinha dito? Pois mudámos. Muito embora a outra professora fosse uma querida, o dinheiro investido não estava a ser convenientemente rentabilizado. A mudança foi radical. Esta professora é excelente, muito profissional e exigente. Não nos dá margem de manobra para conversas da treta, põe-nos na linha quando espreitamos o telemóvel e obriga-nos a trabalhar com afinco. Custa a acreditar que 90% da aula seja em mandarim, que ao cabo de meia dúzia de aulas já aprendemos para cima de meia centena de caracteres e quando tentamos falar em inglês ela corta-nos logo o pio. Uma pequena ditadora de quem eu gosto cada vez mais. 

E para rematar em beleza deixem-me que vos diga que ao cabo de 14 meses de condução com o meu "bolinhas chinoca", milhares de impropérios proferidos, infrações ocasionais e alguns milhares de quilómetros percorridos…nem uma multa no cadastro!  

Mais uma estrutura gramatical aprendida

Com a lǎoshī  (professora) Yu e uma colega de grupo