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terça-feira, 27 de setembro de 2016

Chinesices - parte 1

Quase quinze meses depois de ter aterrado no PEK (Aeroporto Internacional de Pequim), acredito que neste momento os meus dias estão no chamado “ponto de rebuçado”, felizmente sem a carga calórica adicional. Algumas das metas que me propus alcançar estão bem encaminhadas e isso faz-me sentir bastante bem. Acima de tudo, sinto que consegui estabelecer um equilíbrio, um ritmo e uma rotina saudáveis que me permitem sentir útil, ocupada e, sobretudo, com pouco tempo livre. Aliás, tão pouco tempo livre que ainda não tinha arranjado umas horinhas para me dedicar a este blogue. J (So sorry about that!)
Com grande pena minha também não tenho tido disponibilidade para ler. A pilha de livros continua no escritório à minha espera e a “wishlist” tem aumentado. Apetece-me muito passar umas horas no meu novo e confortável sofá com a minha Micas e um bom livro mas a prioridade tem sido o ginásio e as aulas de Mandarim que começaram semana passada. Voltar a Portugal de férias passou a ser sinónimo de engorda e estava na hora de voltar à forma que me propus alcançar há dois anos. Entre caminhadas, alguma corrida, boas escolhas nutricionais e muita força de vontade estamos todos (quase todos porque a pequena não precisa!) no bom caminho da boa forma física. E desenganem-se os que pensam que não preciso. Então não sabem que daqui a três meses estou novamente em Portugal para a engorda natalícia?! Preciso de lá chegar com margem de manobra para o pecado da gula. J
Voltar a Portugal, ou simplesmente estar de férias fora da China, acarreta um outro problema muito grave (para além do facto óbvio de que se gasta muito dinheiro!) que é não se praticar Hànyǔ (a língua chinesa). Com quem poderia eu praticar o meu extremamente básico Mandarim em Portugal? Indo fazer compras às “lojas dos chineses” ou comendo “arroz chau chau” todos os dias, dizem vocês. Pois bem, não fiz uma nem outra e quando cá cheguei o meu Mandarim “extremamente básico” estava no nível “praticamente indecifrável”. Integrar uma turma de nível 2 só serviu para confirmar o que eu já temia: esta língua é muito (mesmo muito) difícil e só se consegue aprender se se praticar todos os dias. Felizmente este novo grupo é ainda mais engraçado e heterogéneo do que o anterior: eu, uma dinamarquesa, uma lituana, uma brasileira e uma inglesa guiadas por uma lǎoshī (professora) de vinte e oito anos, também ela muito bem-disposta. Não há maneira de estas aulas serem aborrecidas e temos todas muita paciência para ouvir os disparates que nos saem pela boca fora.
E por falar em disparates, há duas ou três situações que eu preciso de partilhar convosco e que, direta ou indiretamente, têm a ver comigo e com a cultura e a tradição chinesas. A primeira delas tem a ver com as minhas idas ao ginásio. O espaço que frequento fica no condomínio onde moro, o que torna as idas mais confortáveis porque nem sequer tenho que sair à rua e em três minutos estou lá. O espaço é agradável, tem boas instalações e funcionários simpáticos…um pouco intrometidos, mas simpáticos. Para além do ginásio propriamente dito podemos praticar yoga, zumba, pilates, natação, ténis de mesa, xadrez, bilhar, squash, entre outros. Em Portugal nunca fui grande adepta de ginásios e, nos meses que frequentei, não me lembro de nenhuma situação constrangedora. Ajudem-me aqui meninas. Uma pessoa chega, troca-se, vai queimar umas calorias, faz uns alongamentos, regressa ao balneário, toma o seu duche, veste-se e sai. Esta parece-me a ordem natural das coisas. Pois por aqui, para além destes passos mais óbvios, há também o chamado “observar”. Este desporto parece-me bastante popular por estas bandas e as funcionárias do balneário feminino são as verdadeiras Usain Bolt do “observar”. É vê-las inspecionar a tua técnica de lavar as mãos, de apanhar o cabelo, de tomar duche ou simplesmente de apertar o soutien…acessório desconhecido de muitas chinesas. Uma pessoa sente-se nua…quer dizer, duplamente nua, desprotegida, invadida…mas depois apercebes-te que não é só contigo que fazem isto. É com todas as utentes, estrangeiras e chinesas. Hum…muito estranho!
Mais estranho ainda é ser-se mulher chinesa e grávida neste país. É todo um mundo novo de esquisitices que se abre à tua frente e nem sabes muito bem como reagir ou pensar. Após décadas de restrições quanto ao número de filhos permitido por casal, políticas mais ou menos contestadas e mais ou menos contornadas consoante os zeros à direita na conta bancária, hoje em dia é muito comum encontrar-se uma chinesa grávida. Elas andam ainda e são verdadeiras portadoras do futuro desta nação. Carregam um filho no ventre e séculos de cultura e tradição às costas.
Vocês sabiam que durante a gravidez a mulher não pode beber nem comer nada que seja frio? Água? Só quente! Chá? Nem pensar. Os chineses acreditam que tem propriedades negativas para o feto. Outros alimentos frios e até crus? Esqueçam! Convenhamos que à falta que a Asae faz por estes lados, algumas destas restrições deviam ser sempre seguidas à risca. Gelados? Também não! OMD! Que frustração!
Vocês sabiam que depois de dar à luz uma mulher não pode tomar banho durante um mês? Não pode sair de casa, tem que manter portas e janelas fechadas e não pode sequer ligar o ar condicionado mesmo que seja verão e estejam 40° à sombra?
Basicamente as parturientes chinesas devem permanecer em descanso total durante um mês sem poder abusar na leitura e na televisão (será que o mesmo princípio se aplica aos telemóveis?), não devem chorar (porque pode perturbar o bebé e faz mal à visão da mãe) nem devem receber visitas durante esse mês com exceção das avós do bebé. As regras do “zuò yuè zi” (o chamado “mês sentado”) variam de região para região e de família para família. Existem as mais tradicionalistas e outras que nem por isso mas mesmo as jovens mães modernas, instruídas e viajadas se sentem muitas vezes impotentes perante a enormidade de regras impostas pela própria família durante este período tão especial.

Depois de saberem disto não se sentem felizardos por terem nascido em Portugal?
Primeiro texto do nível 2 de Mandarim