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terça-feira, 24 de maio de 2016

Quarta-feira, vinte e cinco de maio de 2016. 10 meses e 12 dias de vida em Pequim.

Parece-me incontornável referir a entrevista que a querida Alice Vilaça me fez há alguns dias. Nunca tinha ouvido o seu programa em Portugal e fiquei muito agradada com o seu profissionalismo e a forma como me deixou à vontade para poder falar sobre as minhas experiências. O grande instigador foi o meu pai.  Ouvinte atento e assíduo, um dia resolveu elogiar o programa na página do Facebook e a Alice respondeu. Receber feedback da própria jornalista foi, só por si, lisonjeador, mas o meu pai foi mais longe e falou-lhe da filha e do facto de eu estar aqui em Pequim numa nova aventura. E, pronto, surge o convite para uma entrevista. O que se pode dizer perante isto? Aceita-se e depois roem-se as unhas, imagina-se toda uma conversa e vai-se ao baú sacudir o pó das memórias de Timor e da Serra Leoa. Para quem me conhece há muitos anos ou para quem teve tempo, curiosidade e vontade de ouvir os 30 e tal minutos de conversa que tivemos, sabe como foi o meu percurso até aqui. Neste momento quero agradecer a todos os que me felicitaram pela entrevista. Foi mais uma experiência. Bem ou mal, com mais ou menos nervosismo à mistura, sei que fui eu própria, com direito a sotaque e tudo! Goste-se ou não se goste, esta sou eu…e a que falou na rádio também sou eu. Sou quem sou e estou onde estou em parte graças às escolhas que fui fazendo ao longo dos anos. Sou quem sou e estou onde estou porque cresci a ouvir estórias da Marinha em África, porque sempre me ensinaram a lutar pelos meus objetivos, porque cresci a viajar…primeiro dentro do país e depois na Europa. Estou onde estou e sou quem sou porque um dia ganhei coragem e em 10 minutos tomei a decisão mais marcante da minha vida. E foi essa decisão que mudou para sempre o meu rumo. Talvez exista um destino marcado para cada um de nós, talvez, mas quem toma as decisões sou eu.

Dito isto, outra decisão que tomei foi aprender Mandarim. E que decisão esta! Tem sido bastante agradável este percurso e garanto-vos que é para continuar. O bichinho de estudar está cá. Eu sempre gostei de estudar. Sempre fui uma estudante aplicada…que o digam os que me conhecem desses tempos. E ainda agora a minha professora de Mandarim o diz. Também se estou a pagar uma verdadeira fortuna por estas aulas (600 euros só para o nível 1), tenho mais é que as aproveitar ao máximo. E valeu a pena. Ainda que só saiba desenrascar-me para ir fazer umas comprinhas ao mercado, fazer uns pedidos no restaurante ou falar com o taxista, a verdade é que paralelamente ao programa se aprende muito da cultura chinesa e isso não tem preço. Concorde-se ou não com a maneira de ser deste povo, com os seus costumes e métodos, a cultura chinesa é riquíssima e tão diferente da nossa que todos os dias se descobre algo de novo que nos deixa a pensar.
Semana passada, por exemplo, fiquei possuída de raiva. Já se sabe que por aqui o respeito pelas regras de trânsito é muito relativo. Testemunho isso todos os dias, várias vezes ao dia e, honestamente, já devia estar habituada mas há coisas que não consigo engolir. Estou quase a chegar à escola do André para o ir buscar e deparo-me com um grupo de cerca de 15 pessoas à espera para atravessar a passadeira. Resolvo fazer o mais normal e civilizado e abrando até parar para os deixar passar. Qual não é o meu espanto quando verifico que todos, sem exceção, permanecem parados e a olhar para mim como se fosse alguma ave rara que tivesse acabado de pousar ali. Gente, eu não sou nenhum OVNI. Isto é uma passadeira, vocês são peões e eu parei. Qual é o filme aqui? O filme é que eles não atravessaram, eu fiquei a fazer figura de alien e para ajudar à festa chega-se atrás de mim um carro da polícia, isso mesmo, leram bem, e resolve apitar-me e ultrapassar-me. E eu o que fiz? Passei-me. Deixei andar a polícia e depois comecei a passar-me com os peões indicando-lhes a passadeira e mandando-os passar. Que raio!!! Fiquei verdadeiramente furiosa com aquela situação, com a polícia e com os peões mas pensando bem eles é que têm razão. A alien aqui sou mesmo eu. Venho para cá cheia de ideias civilizadas, a fazer o bem e tentando que eles percebam que estão a proceder erradamente. Mas como é que eu, sozinha, posso fazer frente a séculos de mentalidade distorcida e do dia para a noite ensiná-los? Impossível, certo? Portanto, “lesson learned”. A partir desse dia deixei de ser “totó” e passei a ignorar os peões nas passadeiras. Não querem passar? Quem sou eu para os contrariar! Claro que a minha natureza civilizada não foi enterrada nas profundezas. De vez em quando porto-me bem e recebo em troca uns olhares estranhos mas, enfim, “this is China”! Habitua-te Elizabete!
Aprende-se muito sobre um país explorando-o fisicamente mas também lendo sobre a sua história e cultura. Há uma autora que já conheço há algum tempo mas que só agora tive oportunidade de começar a ler e que me está a deliciar com a sua narrativa. Xinran é uma jornalista chinesa nascida em 1958 em Pequim e autora de vários livros sobre a condição feminina na China e sobre a política do filho único que entrou em vigor neste país na década de 70. Com uma visão privilegiada da cultura chinesa e da cultura ocidental (mudou-se para Londres em 1997), é através dela que estou a perceber melhor uma parte da história recente da China. Tem sido uma viagem de descoberta desde que cá cheguei e agora encontrei em Xinran uma guia excelente. O livro que estou presentemente a ler – Buy me the sky – não será certamente o último.