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domingo, 6 de novembro de 2016

Herança

Domingo, 6 de novembro de 2016. Assim, Elizabete, sem te dares conta, já estás aqui há um ano e quatro meses e o teu marido, grande responsável por esta enorme aventura, está aqui há dois anos. Lembro-me bem do dia 1 de novembro de 2014. Recordo, sobretudo, o nó cada vez mais apertado no coração, as lágrimas reprimidas e o sentimento de abandono. Já o disse aqui várias vezes: não gosto nada de despedidas, não sei lidar bem com elas, evito-as sempre. Digo sempre “até já” ou “até breve” porque quando elas (as ditas despedidas) nos fazem sangrar a alma é porque aquele (s) de quem nos despedimos são muito importantes para nós. Tanta angústia e agora olho para trás e passou tudo tão rápido.

Aliás, é impressionante como aqui o tempo passa rápido. Os dias são tão preenchidos que cá em casa nem nos lembrámos que terça era dia 1. Não houve lugar a um brinde nem a festejos, mas sei que, individualmente, cada um comemorou à sua maneira, agradeceu o que tinha de agradecer e refletiu sobre este percurso. Ele, melhor do que eu, poderia falar disto, das dificuldades que encontrou à chegada, das incertezas, do sentir-se “perdido” e tantas vezes questionar se teria tomado a decisão certa. Hoje podemos afirmar que deixar Portugal foi a melhor decisão que tomámos e que, a cada obstáculo, nos tornamos mais fortes como família, mais unidos e crescidos. Quando ouves o teu filho dizer que adora viver na China, que não quer sair daqui, que adora a escola onde está, sabes que estás no bom caminho e que o teu filho é feliz…apesar de toda a distância que o separa dos avós ou das comidinhas boas que ele adora. Quando se tem a felicidade dos nossos filhos, tem-se toda a riqueza do mundo. E não é esse o objetivo de qualquer pai? Pode soar a cliché mas é verdade. Poder proporcionar esta vida aos nossos filhos é o melhor presente para o futuro que lhes podemos dar e eu não falo aqui de ter estatuto diplomático, viver numa casa confortável ou ter uma conta mais ou menos recheada. Refiro-me à experiência fantástica que é, todos os dias, viver aqui (poluição à parte, condutores chineses à parte e comida falsificada à parte, claro!). Lidar diariamente com quatro línguas como a Catarina faz, ter amigos de uma dúzia de nacionalidades diferentes como o André tem, trocar experiências com crianças de outras raças e religiões, aprender a ser tolerante, tratar por tu a “diversidade”, explorar a cultura milenar deste país…tudo isto não tem preço. É a melhor herança que lhes podemos deixar: serem cidadãos do mundo.

Depois há a vida paralela de aventuras fora da China. Poder proporcionar-lhes viagens e experiências únicas noutros países faz parte da referida herança. Felizmente que nós, como casal e como pais, fazemos questão de viajar e dar-lhes a conhecer o mundo. Por nossa culpa o André já conhece 18 países diferentes e viaja desde os 6 meses. Por nossa culpa a Catarina viaja desde os três meses e já viajou para 7 países. Há quem gaste dinheiro em vícios, almoços ou jantares fora várias vezes por mês, roupas e outros acessórios caros, nos últimos gritos da tecnologia, a dar aos filhos tudo o que pedincham, a ir ao cabeleireiro todas as semanas. Nada contra todos estes gastos. Cada um faz aquilo que quer com o dinheiro que tem. Eu não tenho qualquer problema em dizer que compro roupas baratas na Primark ou nas lojas dos chineses como também não tenho problema nenhum em dizer que adoro gastar dinheiro em viagens e em livros. São o meu luxo e o meu vício. Que se lixem as marcas, para mim um carimbo no passaporte e mais um livro devorado têm muito mais valor.

E por aqui a vida é feita de contenção na hora de gastar dinheiro em coisas supérfluas (como sempre fizemos) porque o dinheiro deve ser poupado para aquilo que consideramos verdadeiramente importante. Se perguntarem ao André ele dir-vos-á que primeiro o dinheiro é para comida, saúde e roupa e depois é que vêm os outros gastos. Foi ensinado assim desde pequenino e com a irmã é igual. Não têm tudo o que querem nem quando querem e todos os gastos são ponderados porque todo o euro ganho pelo pai é poupado e gerido pela mãe e, ao contrário do que muitos possam pensar, cada euro custou muito a ganhar.

É por isso que, depois de ter gasto cerca de 600 euros no nível 2 de Mandarim, só posso mesmo levar o curso muito a sério. Mudámos de professora, já vos tinha dito? Pois mudámos. Muito embora a outra professora fosse uma querida, o dinheiro investido não estava a ser convenientemente rentabilizado. A mudança foi radical. Esta professora é excelente, muito profissional e exigente. Não nos dá margem de manobra para conversas da treta, põe-nos na linha quando espreitamos o telemóvel e obriga-nos a trabalhar com afinco. Custa a acreditar que 90% da aula seja em mandarim, que ao cabo de meia dúzia de aulas já aprendemos para cima de meia centena de caracteres e quando tentamos falar em inglês ela corta-nos logo o pio. Uma pequena ditadora de quem eu gosto cada vez mais. 

E para rematar em beleza deixem-me que vos diga que ao cabo de 14 meses de condução com o meu "bolinhas chinoca", milhares de impropérios proferidos, infrações ocasionais e alguns milhares de quilómetros percorridos…nem uma multa no cadastro!  

Mais uma estrutura gramatical aprendida

Com a lǎoshī  (professora) Yu e uma colega de grupo


2 comentários:

  1. Espetáculo .... é esta vida de aventuras e viagens que quero também para mim e família ... nem que seja num país um pouco diferente da China.
    Experiências que valem mais que simples bens materiais ;)

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    1. Sem dúvida.E acredita, esse desejo está prestes a concretizar-se e fico muito feliz por vós. Beijinhos

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